terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Corda bamba

Por que fazemos isso conosco? Nos embebedamos um no olhar do outro. E eu me afogo no oceano sem fim que é o azul dos seus olhos. Há tanta bondade neles, mas você se empenha em disfarçá-la com sarcasmo. Você me olha, sorri, percebe que eu percebi, mas continua me encarando com o canto da boca levantado em um risinho maroto. Você quer que eu saiba que você está me olhando, você quer me provocar e ver minha reação. Sei disso, mas não sou capaz de me indignar o suficiente, porque meu coração simplesmente derrete nesses momentos e eu não sou capaz, sequer, de desviar o olhar.
Você também percebe que meu humor se acende e minha alma fica agitada quando você chega. E você gosta de assistir ao espetáculo: se encosta na parede e fica me observando agir como uma maníaca, tentando chamar a sua atenção ao mesmo tempo em que tento te ignorar e não parecer que estou fazendo nenhuma das coisas. Você faz questão de me manter às suas vistas e se aproxima, tentando achar algo para dizer, um motivo, mas fracassa lamentavelmente. O problema é que nenhum de nós parece se importar com o silêncio. A presença do outro nos completa e nos aquieta. E, cada vez preciso fazer mais força para me controlar ao seu lado e não te dar um abraço apertado para nunca mais soltar.
Talvez a gente se entenda assim, sem palavras, simplesmente porque gestos não nos são permitidos e porque nosso joguinho é divertido demais (e triste, e solitário e, incrivelmente, sedutor). Mas eu estou perdendo essa partida, talvez esteja me apaixonando, e isso não é a coisa esperta nem a certa a se fazer no nosso caso. Por que, raios, você me faz isso? Me encara, sorri e depois finge indiferença? Começa a dançar quando sabe que eu estou olhando para você? Você é cruel, eu sou burra. É... talvez sejamos uma dupla incrível mesmo.
Às vezes você resolve brincar e parece que sabe exatamente como me enganar. Eu sempre achei que eu fosse boa em descobrir truques, mas eu nunca consigo saber quando você quer me contar histórias fictícias. Então eu acredito e você me olha com esses doces olhos anil e dá risada das minhas bobeiras, como se não houvesse nada mais engraçado no mundo. E é um riso diferente do seu habitual, que é alto e zombeteiro. Este é um riso especial, só para mim, é divertido, mas carinhoso; melodioso, mas não estridente. É um riso que afaga e que aquece, no qual você se delicia ao me ver confusa e, depois, risonha. Parece que você quer mostrar que está feliz, mas, ao mesmo tempo, quer esconder algo de secreto e pedir desculpas com um olhar de filhote abandonado. E seus olhos, nesses momentos, demoram uma fração de segundo a mais nos meus. Ou, talvez, eu que esteja ficando louca e vendo coisas que não são.
Parece que nós temos prazer em atiçar a curiosidade, nessa brincadeira de adivinhar quais são as reais intenções do outro. Isso já está me cansando e me confundindo: o que você quer de verdade? Me sinto exposta a um perigo iminente, como se nós estivéssemos à beira de um precipício que precisamos atravessar e pudéssemos escolher entre uma ponte, sólida, perfeitamente segura e estável e uma corda bamba, sobre a qual teríamos de caminhar vendados. Obviamente escolhemos a corda, porque amamos o desafio e o risco, queremos provar que somos fortes o suficiente para não cairmos. Nós gostamos dessa adrenalina e de quando a corda balança, do friozinho na barriga. Só que, no meio do caminho, nossas pernas começam a fraquejar e o vento parece nos empurrar, manter o equilíbrio já não é tão fácil como no início. Ás vezes, me pego pensando se cair não seria mais fácil, até gostoso. Mas aí você teria que cair comigo para que valesse a pena, e, então, pessoas boas e inocentes, que nada têm a ver com essa nossa estranha convivência, sofreriam com isso. Então eu me equilibro novamente, simplesmente porque não há mais volta e eu não tenho mais a opção de pegar o caminho seguro da ponte. O jeito é ir em frente, rezar para não cair, nem no abismo e nem em tentação e me conformar somente com o gostinho de adrenalina liberada pelos pequenos volteios da nossa corda invisível. Chegaremos ao outro lado? Só o tempo dirá. 
Como eu desejo que você pule comigo, para, quem sabe, finalmente descobrirmos que podemos voar juntos!

sábado, 24 de agosto de 2013

Das Cartas que Nunca Enviarei


Ás vezes eu me pergunto se você ao menos desconfia que eu espiei informações para ver se você tinha feito algo novo, ou escrito, ou falado, ou alguma novidade. Não se assuste, pois não é nenhuma obsessão alucinada, mas às vezes eu preciso provar pra mim mesma que você não é fruto dos meus devaneios produzidos pelo ócio. Assim, posso constatar, feliz, que o passado foi real, embora curto e passageiro.
Você nem suspeita que eu sorrio involuntariamente toda vez que vejo que o livro que eu te emprestei, um dia há muitos anos, está entre os seus poucos favoritos. Lembro que você não havia gostado do final por ser "feliz demais". Engraçado, pois tudo o que eu desejei um dia é que nós tivéssemos um final "feliz demais", mas, definitivamente, isso não parece fazer seu estilo.
Provavelmente você também não sabe que eu escrevi cartas, não uma, mas várias, para você, mas não tive coragem nem ao menos de te dizer "olá" nos últimos tempos, quem dirá de entregá-las. Todas elas continham a mesma ladainha de sempre. E é estranho contar isso assim, porque, para a minha imaginação, é como se você já as tivesse lido e soubesse de seu conteúdo nos mínimos detalhes. Porque eu contaria de novo o motivo dessas cartas? Porque eu justificaria, novamente, meus anos de silêncio? E, aí, eu lembro que sou covarde e nunca tive coragem de as mostrar para você, talvez porque, na verdade, eu me sinta mais segura com os amores que só existem na minha mente, ou talvez porque elas eram tão clichês e inocentes, que pudessem se tornar motivo para risos. Se bem que o amor, na sua mais pura essência, é a coisa mais clichê e inocente que há. Mas ninguém mais acredita nisso, nesse tipo de amor. Talvez nem eu acredite e seja somente um pretexto para eu poder "poetizar" a vida, com as péssimas influências de Álvares, Vinicius e Gonçalves, que me fizeram idealista demais.
O que você faria se soubesse de tudo? Há anos essa suposição me atormenta. Por mais que eu te conheça (ou talvez não mais que outrora), não posso precisar como você reagiria. E eu poderia me magoar... e te magoar. Ou não. Só não tenho escolha, não posso arriscar, porque se algo desse errado nessa empreitada, o que restaria para mim? Quem sabe, arrependimento, culpa e uma saudade que nunca passará, além de ter enterrado de vez qualquer fio de esperança que restasse.
Aqui, no silêncio, na simples contemplação da vida que eu poderia vir a ter, a esperança não morre, embora seja, de certa forma, vazia. Não há com o quê embasá-la, já que o futuro incerto provavelmente não lha fará jus, novamente por causa da minha covardia. Mas, pelo menos, sei que há uma ínfima possibilidade de um milagre, quem sabe, ocorrer. Talvez daí venha minha resignação com o silêncio. É por isso que você é o segredo mais bem guardado que já tive. Nunca ousei nem dizer teu nome em voz alta, ninguém jamais soube, nem os amigos mais íntimos, nada que pusesse profanar a sacralidade que envolve tua memória. Somente minhas lembranças... e Deus, que vela pela sorte dos amantes desafortunados como eu, para que, quem sabe um dia, nós possamos descansar dessa constante tortura infligida à alma pela imagem de maravilhosos sonhos de futuro tão inatingíveis quanto a lua.

"Havia o medo e a timidez, todo um lado que você nunca viu." (Renato Russo)